"Deliciosamente" iludido por mim!

Para que os “amigos” não se sintam mal por causa disto. Vou contar uma estória que se passou comigo e um outro amigo (este sem aspas) que só não menciono por não saber se lhe interessa ver relatada a sua participação no caso. Chamar-lhe-ei W.
Numa feira onde apresentava a Quinta da Murta, fiz aquilo que normalmente todos fazemos, dei uma volta a provar outros vinhos – não foi efectivamente uma volta, foram voltinhas que o stand não pode ficar vazio por muito tempo. Tal como para os consumidores também são óptimos momentos para nós,  profissionais da área, tanto pela prova como pela conversa. Pelo alargar da rede de contactos e pela troca de experiências.
Numa dessas voltas acompanhava-me o supramencionado W. Passámos por um stand onde atendia um senhor de ar desconfiado. Nunca tinha visto aquele produtor por ali e o meu amigo, muito mais atento e conhecedor destas coisas da enofilia também não o conhecia. Parámos. Garanto que o senhor (Deus queira que ele nunca leia isto!) tinha ar de duende ou coisa que o valha, por momentos imaginei-o vestido de ajudante de Pai Natal, que é, no meu imaginário, como se vestem os duendes. Arriscámos a conversa. Em menos de um minuto a aura mística do senhor revelou alguém afável, simpático qb e, pouco mentiroso acerca dos seus produtos.
Provamos os tintos. Não me lembro ao sabiam, sinceramente! O que quererá dizer que eram normais, sendo que no normal arrumo todos os que nem são excelentes nem são zurrapas. Eram normais. Ponto.
O que verdadeiramente nos impressionou foi o branco. Logo no nariz aquilo dava umas sensações estranhas. Para mim, cheirava a sabão, borracha e muitas coisas artificiais. Lembrava literalmente  a antiga mercearia do Sr. Manuel Gomes, local onde os meus pais se abasteciam de tudo nos tempos em que eu podia brincar na rua até ao acender da iluminação pública. Trocamos olhares e vi o W a fazer o mesmo que eu, a conter o rizo. Que coisa estranha. Na boca, novo impacto. Sentia-se muita coisa do nariz. Água com sabão ou lá o que era. Fiz a pergunta mental: “ Será que este gajo se enganou e engarrafou a água de lavar o chão?”.
O Sr. observava-nos com ar inquisidor. Esperava pela apreciação. Eu lembrei-me que tinha ao pescoço o crachá da feira. Bolas! Não poderia fugir dali, o homem procurar-me-ia e eu não teria como me esconder dele o resto dos dias.
Comecei eu. Disse-lhe que o vinho tinha, realmente uns aromas estranhos, algo que não estava acostumado a sentir. Pensei que assim deixava a coisa em águas de bacalhau e pronto, poderia seguir caminho. W é um tipo muito mais inteligente que eu e sabe calar-se ou apenas acenar que sim ou que não quando o momento assim o pede. Penso que se limitou a corroborar o que eu havia dito, sem grande ênfase.
O senhor achou que deveria explicar-nos que aquela era a primeira colheita do vinho, muito diferente das seguintes e que tinha sido feito da forma mais tradicional que conhecia. Meia curtimenta com engaço em lagar de cimento e depois escorrido para a cuba onde acabara de fermentar.
Passei, imediatamente, a olhar para aquilo com outra curiosidade. Estava ali um ensaio, um remake da tradição. Seria interessante perceber como iria aquilo evoluir. Os meus colegas enólogos devem estar todos, neste momento a acenar com a cabeça como que a dizer: “Confirma-se, o Hugo Mendes é mesmo uma nulidade. E ainda achava que o vinho tinha condições de evoluir. Pois. Pois. Por este andar, estás a lavar chão (com esse vinho) não tarda” - para que conste, já estou…; P
A verdade é que embarco nalgumas estórias pelo prazer de as ter ouvido, pelo gosto da desconstrução, pelo prazer do teste ao diferente. Até, da confirmação do óbvio, porque não?
Sugestionado então pela história, pelo meu súbito interesse ou por ambas, compramos duas garrafas cada um para ver como saberia o vinho à mesa e depois de uma dormida em cave - nada de pesado, 2,5€/garrafa.
Abri uma à pouco mais de um mês e posso garantir-vos que o vinho não evoluiu nada (penso que a colheita é 2008). Continua a saber-me a sabão com fartura. Não pude deixar de me rir à gargalhada (fiz um LOL) ao manda-la pelo cano. primeiro, por ter sido tão estúpido. Segundo, porque imagino o meu amigo W a abrir a sua e a dizer: “Como fui capaz de me deixar ir na conversa daquele tolo! Irra!”
Vale o consolo de ter  contribuido para a erradicação daquele "problema". E agora que falo nisso, reparo o meu amigo nunca mais me falou no vinho. Penso até que tenta evitar-me. Deve estar pouco lixado, deve!
Eh! Eh! Eh!

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