Conversando com... Jeriel Costa



Jeriel Costa foi um dos primeiros bloggers brasileiros que conheci. lembro-me que foi numa Expo Vinis, em São Paulo, faz agora dois anos. De lá para cá fui acompanhando o seu trabalho (espiando para ver o que dizia dos meus vinhos) com alguma regularidade.
Aos meus olhos apresenta-se como um tipo focado no tema vinho, com uma dedicação que muitas vezes se assemelha a uma obsessão. Fico com a ideia de que Jeriel ambiciona provar todos os vinhos do mundo.
Na conversa, não lhe perguntei, contudo, isso. Sou daquelas pessoas para quem alguns mitos não devem ser destruídos, sob pena de causarem desilusão.
Da conversa que se segue, quero apenas acrescentar que não pretendo que seja ou se assemelhe a uma entrevista. É uma mera conversa em que assumi o papel de blogger e de pessoa ligada à produção. Interessou-me recolher opinião na óptica do produtor, principalmente daquele que olha para o mercado Brasileiro mas não está ainda lá.
Espero que goste e no final, coloquem os vossos próprios comentários ou perguntas ao Jeriel.
Muito Obrigado.

Conversando...

Hugo Mendes (HM) – Jeriel Costa. Obrigado por ter aceite participar nesta conversa comigo. Para o público Português que ainda não conhece bem quem é você, fale um pouco de si e de seu blog. Conte como foi o percurso até aqui.
Jeriel Costa (JC) - Tudo começou em 1998 quando passei a frequentar a Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho - SBAV-SP. Nessa época a cultura do vinho passou a ganhar força aqui em São Paulo e somente duas instituições ministravam cursos de iniciação ao mundo do vinho. Atuei naquela associação até o fim do ano de 2010. Exerci os cargos de conselheiro e de Diretor de Degustações nesse período. Contatava produtores e importadores convidando-os a apresentar seus vinhos para os associados. Aprendi muito fazendo resumos das degustações que até hoje estão publicados no portal. São tantos textos sobre vinhos das mais diversas procedências que isso acabou chamando atenção de um jornalista que se propôs a criar um blog para que fossem relatadas as minhas experiências no mundo do vinho. Isso ocorreu no segundo semestre de 2009. De lá para cá tenho conseguido muito progresso com o blog que é um dos mais atualizados e acessados do Brasil. Já recebi convites para conhecer regiões produtoras no Sul do Brasil, Argentina, Chile e Espanha (estou doido para conhecer Portugal!). O blog abriu muitas portas e também consigo abrir portas para muita gente que quer vender vinhos no Brasil. Se você visualisar a sequência de rótulos sobrepostos na coluna direita do blog verá os rótulos dos produtores que tiveram uma ajudinha para conseguir importador para seus vinhos no Brasil. Isso é extremamente gratificante. Participo de eventos semanalmente e não dou conta dos convites que recebo de tantos que são!

HM- Fale um pouco dessa ajuda. Como é que você consegue ajudar um produtor a entrar no difícil mercado brasileiro?
JC-É um processo lento e demorado mas que dá resultado. Explico. A exemplo do que ocorre em Portugal os blogs de vinho aqui estão adquirindo importância por conta da seriedade de alguns blogueiros. Por isso, os blogs são acessados por gente ávida por informações, dentre os quais se inserem aquelas pessoas que importam vinhos e aquelas que pretendem abrir uma importadora ou ampliar o seu portfólio de produtos. A cidade de São Paulo não passa uma semana sem um evento. Às vezes dois, três eventos no mesmo dia. Nesses eventos, "comissões ou consórcio de produtores" (Portugal, Espanha, Itália, etc.) visitam o país cujo mercado de vinhos está em ascenção à procura de quem possa se interessar por seus produtos. Como essas  degustações, amiúde, não recebem a cobertura que merecem,   se um blogueiro escrever de um produtor estará ajudando-o sobremaneira, principalmente se o comentário for positivo e sincero. Digo isso por experiencia própria, porque sei de vinhos que estão aqui porque escrevi sobre eles ou dei algum espaço no blog. Outros produtores estão aqui porque além de fazer matérias sobre seus vinhos, houve quem se interessasse e fiz o contato, apresentando seus produtos. Mas isso leva tempo. Não prometo nada que não poderei fazer e não faço demagogia. Mas sempre que posso dou destaque no blog, ofereço a marca para eventuais interessados, etc... 

HM- Quem bebe vinho no Brasil. Consegue fazer uma caracterização do consumidor?
JC - O Brasil é um país tropical e a "bebida nacional' continua sendo a cerveja, seguida da cachaça. O consumo de vinho ainda é pequeno, todavia, a cada dia ganha novos adeptos. O consumidor de vinho pode ser dividido, simplificadamente, em duas categorias: uma de pessoas mais humildes, que consomem os vinhos de garrafão, elaborado com uvas americanas, muito aromático e adocicado no paladar e a outra de pessoas razoavelmente esclarecidas, que bebem vinhos finos, que se orientam e que buscam novidades. Aliás, nesse particular, vinhos elaborados com as ditas castas internacionais passam a dividir espaço com vinhos de castas autóctones, notadamente aqueles oriundos de países do Velho Mundo. No topo há os consumidores esclarecidos, que tem gostos e opiniões definidas.

HM- Embora já produzam vinhos muito interessantes, a ideia que tenho do mercado Brasileiro é a de que continua sendo um mercado preferencialmente de importação. Estes, normalmente são mais abertos a vinhos diferentes, que marcam por apresentarem abordagens muito próprias e específicas. Que demonstrem o carácter da região. O terroir?
È assim? E no que diz respeito aos vinhos  Portugueses?
JC-Os vinhos portugueses gozam de boa reputação e por isso tem participação importante no mercado brasileiro, aliás, são os vinhos do Velho Continente que chegam aqui por preços mais acessíveis. Em alguns casos são tão bons que chegam a superar brasileiros, chilenos e argentinos! O consumidor brasileiro quer provar vinhos de castas diferentes e isso Portugal tem bastante. Aliás, a evolução de Portugal não é somente nos tintos é também nos brancos, porque alguns chegam a ser extraordinários. Na ala dos espumantes Portugal revela ter uma forte tradição e produz alguns néctares que chegam a rivalizar com os bons espumantes brasileiros. Também não podemos esquecer do Vinho do Porto, verdadeiro símbolo de Portugal, produzido num terroir único, considerado para muitos o  mais espetacular e bonito do mundo. De outra parte, Jancis Robinson destaca que as missões vinícolas portuguesas são das mais  sérias e determinadas e  contribuem positivamente para o incremento da inserção do vinho português no mundo. Aqui em São Paulo, periodicamente, há eventos  dessa natureza e sempre que posso participo e observo que a maioria dos formadores de opinião e intgrantes da imprensa especializada também dão a importância que esses eventos merecem.

HM-Imagine um produtor que está “namorando” esse mercado. Ele quer levar os seus vinhos para o Brasil, mas não sabe o que tem de fazer para conseguir entrar. Que conselhos lhe daria? 
JC- Persistência e sobretudo paciência. Os principais produtores do Velho Mundo estão com seus olhos voltados para o Brasil: italianos, espanhóis, portugueses e até os franceses estão cada vez mais presentes nas feiras à procura de quem se interesse por seus vinhos. Um importador para sobreviver no Brasil tem que ter um portfólio assim constituído: 50% de rótulos chilenos e argentinos. Os restante tem que estar dividido entre Portugal Itália, França, África do Sul, Uruguai e Nova Zelândia mais ou menos nessa ordem. Então a concorrência é grande, mas se vc tiver no seu portfólio um produtor conceituado e que tenha bons vinhos em todos os níveis, a possibilidade de êxito aumenta. Para resumir, o produtor precisa participar de eventos no Brasil, notadamente SP e Rio de Janeiro e ter um pouco de sorte para aparecer algum interessado. Agora, se ele conseguir que seus vinhos sejam conhecidos antes mesmo de sua participação em algum evento importante, se algum critica importante ou blogueiro sério já tiver manifestado sua opinião através de alguma revista (difícil, mas não impossível) ou internet (aqui é bem mais fácil, porém, a credibilidade da fonte será assaz importante), as coisas poderão tomar o rumo desejado.

HM – Fala-se sempre muito da importância de fazer publicidade. Você considera que sem publicidade é quase impossível entrar no mercado ou, por outro lado, existem outras formas de produtores mais pequenos e sem grandes recursos terem acesso?
JC-Exatamente. O produtor tem que estar ciente de que num mercado diversificado como o brasileiro o seu produto será divulgado. E isso não é fácil. Mas também não é impossível. Mas é praticamente uma cláusula pétrea, porque por melhor que seja o produto não vai adiantar nada encontrar um importador que não faça um bom trabalho da marca. Quanto à segunda parte da pergunta a resposta também é sim. Aqui no Brasil as mídias sociais estão a se fortalecer a cada dia. A mídia tradicional já não tem a mesma força, todavia, o ideal é fazer um trabalho com ambas as mídias, porque os principais formadores de opinião ainda estão nas revistas impressas. A vantagem da mídia social é a sua rapidez e o baixo custo.

HM- Na sua opinião existe diferença entre um critico de vinhos, um jornalista especializado em vinhos e um blogguer de vinhos? Se sim, quais?
JC-Sim, o critico normalmente é um profundo estudioso que já provou quase de tudo e já viajou bastante por isso tem muita propriedade para se exprimir, enquanto que o jornalista especializado também conhece o tema com segurança, mas não tem a mesma formação do critico e finalmente o blogguer, que na melhor hipótese pode ser tanto um como outro, mas normalmente são aqueles que acham que podem dar alguma contribuição ao mundo do vinho exprimindo suas opiniões. Numa hipotética escala hierárquica, o blogguer ficaria na base da pirâmide, seguido do jornalista e no topo estará o critico. Mas há que separar o joio do trigo, porque aqui no Brasil muitos blogguers são pretensos críticos e carecem de conhecimento, mas como a internet aceita tudo toda cautela é necessária. O inverso também é verdadeiro, porque há blogguers talentosos que poderiam estar na mídia escrita.... 

HM-Por cá, tirando a questão da escala passa-se mais ou menos da mesma forma. Pessoalmente não gosto muito de hierarquizar pois penso que podem todos ter vidas prósperas e independentes. Essencialmente fazer trabalhos diferentes. Por exemplo, quando se especializa, não posso deixar de pensar que o crítico tem a produção como alvo. Ou seja, mais facilmente influencia os produtores e os enólogos, eventualmente alguns traders do que os consumidores. Já os bloggers, por estarem mais próximos, até na forma como provam, serão mais facilmente entendidos pelo consumidor, podendo fazer um trabalho direccionado para estes. Dadas as características do consumo no Brasil, mais dependente dos vinhos importados, podemos afirmar que há semelhanças? 
JC-Sim, elas existem. Os críticos realmente se distanciam do consumidor, a maior parte são inacessíveis e pasme, a dificuldade de alguns se relacionar com os "morta is" é tanta que beira a rispidez. Já os jornalistas são mais acessíveis. Agora no caso dos blogguers o que posso te afirmar é que aqui no Brasil a cada dia surge um novo blog de vinhos então há de fazer uma seleção criteriosa. O que aconselho é o acompanhamento dos blogs mais atualizados. O meu, por exemplo, recebe no mínimo quatro atualizações diárias....até seis ou sete dependendo do dia! A linha está diretamente focada no consumidor, com uma linguagem objetiva, direta, mas sem perder de vista o julgamento dos vinhos sob uma perspectiva técnica (pontuação p. ex.).Todavia, tenho informações de que gente graúda o acompanha e isso é motivo de orgulho

HM- que importância você dá á formação? Um blogger carece de algum tipo de formação? E que tipo de formação você acha que é mais importante num blogger de vinhos ?
JC-O blogueiro tem que ter noções básicas de enologia e ter lido bastante sobre o assunto. É imprescindível que tenha realizado cursos  na SBAV, ABS, etc ou até mesmo no exterior. Todavia, na "blogosfera" brasileira existe muito aventureiro que só porque criou um blog já se arvora crítico de vinhos (a maioria se julga assim) e há também aqueles que ficam a fazer ataques pessoais aos demais se valendo do anonimato, conduta essa que conta com expressa proibição constitucional, portanto, ilegal, porque desborda do direito de crítica. Enfim, aqui no Brasil qualquer um pode ter um blog, mas o grande  diferencial é que pouquíssimos  conseguem manter uma relação confiável com seus leitores trazendo informações recentes e precisas, complementando a mídia especializada. A formação ética e moral também é  assaz importante, para que o blogueiro se relacione bem com todos os personagens do mundo do vinho: produtores, importadores, agentes de mercado e também com aqueles que procuram espaço para divulgar suas idéias.

HM- Saem constantemente notícias sobre medidas que o governo brasileiro lança para “proteger” a produção nacional. Normalmente são sempre traduzidos em mais impostos sobre os vinhos importados. O que você pensa disto?
JC-Na realidade o termo salvaguarda, do jeito que está sendo utilizado é um  eufemismo, isto é,  uma mera suavização de um complexo de medidas  (reserva de mercado) que prejudicarão sobremaneira a entrada de vinhos estrangeiros no Brasil, principalmente os europeus (por óbvio o vinho português será afetado justamente aquele que ultimamente vem chamando a atenção dos consumidores) e também os vinhos chilenos. É consabido que os principais produtores gaúchos por muito tempo nunca se preocuparam em melhorar a qualidade de seus vinhos, até porque o foco era justamente o dos vinhos popularmente conhecidos como "vinhos de garrafão", baratos e rentáveis. Na década de 1990 (com a abertura do mercado)  passaram a produzir um vinho de qualidade melhor, eis q ue até então, um ou outro produtor se destacava na produção de vinhos finos. Justamente por isso, aqui em São Paulo sempre se consumiu vinho importado. Assim, a aplicação das famigeradas Salvaguardas implicará numa profunda intervenção num mercado que sempre se regeu por regras próprias. Ora, um dos princípios basilares da economia de mercado é o da liberdade de escolha. A aplicação dessas medidas, quer com aumento de imposto quer pelo estabelecimento de quotas, provocará uma profunda retração nas  vendas. E, como sempre, a parte mais frágil e vulnerável dessa relação é o trabalhador, que perderá seu emprego. Alguns importadores já acenam com a possibilidade de cortar cerca de 30% do efetivo do quadro de empregados! 


Comentários

Ricardo disse…
Grande Hugo, Grande Entrevista

aqui vai a minha opinião sobre um dos temas abordados.

Apesar de achar que os bloggers precisam de se organizar melhor e alguns precisam de dar um salto (porque o merecem e porque têm qualidade), discordo da ideia de que um blogger tenha de ter formação. Em primeiro lugar porque um blogger com formação e muito conhecimento passa a ser um jornalista ou critíco que publica num meio diferente, porque para ser jornalista ou crítico não tem de trabalhar para uma revista. Em segundo, e ao contrário de muitos, os blogs deveriam (na minha opinião) escrever para o consumidor e não para as pessoas do mundo do vinho, e nesse sentido é tão válida a opinão de uma pessoa não formada como a de um perito, pois tudo se resume a identificar com quem o consumidor se identifica mais.

Um abraço,
Ricardo
Hugo Mendes disse…
Meu bom Ricardo, não lhe chamaria entrevista. É uma conversa. Há opinião minha também!
Eu não discordo de ti. Definitivamente não consigo ter uma opinião definitiva quanto a isto. Apesar de o ter discutido bastas vezes. O meu conceito de formação é uma coisa mais lata do que apenas diplomas e certificados.

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