Fui ao café conversar com o Luís Francisco



As publicação dedicadas ao vinho continuam muito pobres nas questões de dimensão humana do sector. Sabemos tanto sobre determinadas quintas ou vinhos e tão pouco, quase nada, sobre as pessoas que se movimentam à volta deste negócio.
É por isso que sempre gostei de ler esta secção, intitulada "conversas de café" da Revista Grandes Escolhas (que migrou da Revista de Vinhos). Esta rubrica, que Luís Francisco herdou do Luís Antunes, permite-nos, ainda que num registo leve e humorado, penetrar um pouco dentro da carapaça de seriedade dos diferentes personagens que vão sendo inquiridos. Foi também por isso, com redobrada satisfação que aceitei responder às perguntas do Luís. Aproveito para agradecer o convite.
Pessoalmente gosto de ser "entrevistado". Não por questões de mediatismo  (embora, convenhamos... o ego ri-se), mas porque me permitem estruturar ideias e pensar concretamente sobre os assuntos inquiridos. É, acima de tudo, um exercício de organização de ideias que muito prazer me dá fazer.

Porque acredito que passou despercebido à grande maioria de vós e porque entendo que foram ali ditas coisas que merecem ser discutidas, passo a transcrever a entrevista editada na revista supra citada, na sua edição de Setembro de 2018. Espero que gostem tanto de a ler como eu gostei gostei de responder.

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Um tipo com o coração ao pé da boca faz mais amigos ou inimigos?
Faz bons amigos e repele os inimigos. Não tenho inimigos declarados, apenas algumas pessoas que não me querem ter por perto. Talvez lhes deva ser grato.

Qual foi o maior sarilho em que se meteu por dizer sempre o que pensa?

Mal de mim se dissesse sempre o que penso. Contudo, sou insignificante que chegue para que os meus ditos não me tragam mais do que alguns embaraços.
No início, o blog era anónimo e manteve-se assim até ter sentido necessidade de partilhar a forma como via os enólogos consultores. Passei a assinar com o meu nome e mandei inclusivamente o post para a Revista de Vinhos (ganhei a carta do mês e ainda passei uns dias a insistir com o Luis Lopes que não me enviasse a garrafa do prémio). Gerou-se um certo desconforto e algum burburinho no meio. “Toda a gente” me falava daquilo em surdina (o que é muito típico por aqui) e faziam questão de me expressar a sua opinião. Inclusivamente o consultor com quem trabalhava achou que eu teria outras motivações e (legitimamente) confrontou-me com elas. Senti-me um pouco embaraçado, mas nunca arrependido.
Foi esse post também que me destravou a língua.

O primeiro vinho do seu projecto pessoal foi um branco de Arinto e Fernão Pires. Há outras ideias a “fermentar”?
Há… demasiadas. Umas maiores que outras. Muitos vinhos (claro), 2 a 3 livros e uma mega ideia que não consigo explicar em poucas linhas, mas que julgo poder vir a ser um elemento importante na definição e afirmação do vinho Português. Para já quero cimentar o meu pequeno projecto pessoal (o meu laboratório de ideias) e procuro um projecto com vinhas e adega que possa liderar.
Parecem muitas coisas para uma vida só, mas estão pensadas para se irem integrando umas nas outras (e muita gente pelo caminho também que nada grande se consegue sozinho) de forma a construírem o monstro final.

O que é que falta ao Tejo para ser uma região “nobre” no panorama nacional?
Faltam produtores românticos, com tomates e visão de longo prazo para trabalhar caminhos alternativos ao volume a preço baixo (o que é uma ironia numa região forte na produção deste fruto).
Há coisa de 10 ou 15 anos dizia-se que faltavam vinhões. Os produtores e enólogos acharam que se resolvia o assunto comprando barricas de topo mundial. Não têm passado muito disso. Julgo que um vinhão nada tem a ver com a qualidade da madeira, muito menos com o saneamento das castas nativas, excesso de produção na vinha ou industrialização massiva dos processos.
Penso que a resposta virá de produtores novos e pequenos, mais propensos à descoberta (ou redescoberta) e com muito maior liberdade para cometer erros.

Já se fizeram elogios suficientes à casta Arinto?
Os elogios, quando merecidos, nunca são demais. Mas acho também um erro profundo basear a comunicação em castas, exceto quando queremos ressuscitar alguma. Tenho esperança que um dia ainda consiga ver o berço do Arinto, Bucelas, devidamente valorizada e elogiada. Fico com a clara noção de que os produtores não entendem o potencial que ali está adormecido. Há muito trabalho para fazer.

Ser enólogo foi uma forma de dar rumo à sua formação e vocação científica?
Não. Ser enólogo nunca me passou pela cabeça. Eu queria ser investigador e descobrir a cura para o cancro. Foi para isso que estudei. Contudo, na hora H percebi que teria de sair do país para fazer algo sério. Isso estava completamente fora de questão.
Então virei os olhos para esta paixão e pensei… porque não? Fiz um estágio de vindima que me arrebatou o coração para a vida.
Sou viciado em superar os meus limites e gosto de encontrar linhas organizadoras no meio do caos. Morrerei de tédio em casas que operem a “velocidade cruzeiro”, prefiro a fase de desenvolvimento onde tudo acontece e onde nos pomos verdadeiramente à prova. O mundo do vinho oferece-me isto tudo. O facto de ter percebido que o sector está necessitado de muito trabalho levou-me a concluir que seria mais feliz aqui do que a clonar E.coli. E sou!

Tem um blogue (The Wizard Apprentice) e colabora num podcast (Podcastas). Que opinião tem sobre a comunicação no sector do vinho?

È muito má. Em termos gerais, é má e sem rumo! Mas terei de afirmar que o problema vem de trás. A esmagadora maioria dos produtores não tem um plano definido. Não sabe o que quer. Pergunte a 10 ou 20 produtores onde “querem estar” daqui a 10 anos e ria-se com a atrapalhação das respostas. Se não sabem o que querem e onde querem chegar… como serão capazes de encontrar o (ou um) caminho?

Escolha um petisco do Ribatejo e um vinho para acompanhar.
Sável frito com açorda de ovas acompanhada com um branco de acidez firme. Pode ser um Bucelas dos que ajudo a fazer. Um dos colheitas mais jovens, talvez o Quinta da Murta 2012, com meia hora de decanter.

Quem convidaria para assistir consigo a um jogo do Benfica no Estádio da Luz? E o que bebiam a seguir?
Se fosse possível trazê-lo de volta por umas horas, seria o meu avô Joaquim Mendes. Para além de benfiquista, foi um grande modelo de honra, simplicidade, honestidade, paixão e rigor. Tenho dele as maiores saudades. Foi quem me ensinou a “cheirar o campo”. Beberíamos os #vinhosdomendes. Tenho a certeza que ficaria muito orgulhoso de ver o seu sobrenome no rótulo.

Quem é mais perigoso, um incompetente ou um mentiroso?

Infelizmente não são características conflituantes e coexistem bastas vezes no mesmo ser. Em termos isolados entendo que o incompetente é quem põe mais pedras na engrenagem. No limite despeço os 3.


Comentários

Anónimo disse…
Que bom o HM se ter revelado, além daquilo que é usual conhecer-se.
Parabéns e...continue.
A Vinha e os Vinhos, agradecerão. E os consumidores também :-)
Hugo Mendes disse…
Muito obrigado pelo apoio. :)

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