Quinta da Murta... o arrumar das botas!


Pois é, cumpro hoje o meu ultimo dia como funcionário da Quinta da Murta.

Julgo que todos teremos alguns discursos que pela vontade ou inevitabilidade, vamos treinando ao longo dos anos. Quem nunca pensou no que dizer quando subir ao palco para agradecer “aquele prémio” ou "aquela distinção"? Quem nunca se preparou durante anos para o confronto final com “aquela pessoa” que nos intoxica a vida? Quem não treinou à exaustão uma carta de despedida? Quem nunca?

Quem passou por algumas destas experiências sabe também que chegado o momento, o rol de emoções é tal que as palavras não fluem, que os pensamentos não se organizam e  que as ideias maravilhosas, passíveis de ovações e saídas em ombros simplesmente não aparecem. Apossa-se de nós a urgência de dizer o que tem de ser dito e arrumar o assunto. Ponto.


Foram quase 14 anos de uma história conjunta e muito sinuosa. Não vou ser hipócrita. Foi um caminho de pedras que percorri descalço mas que no fim das contas, não me parece muito diferente do percurso da maior parte das pessoas. Não tenho [hoje] sentimentos associados a isso. Não me sinto diferente, especial, privilegiado ou prejudicado. 

Quando entrei para aqui queria ser enólogo e foi isso que esta casa me deu, a oportunidade de me tornar num. Mais, a dimensão da empresa permitiu-me desenvolver competências e conhecimentos noutras áreas que de outra forma não teria (ideias também... tantas...). No final, sinto-me grato e faço um balanço positivo da minha passagem aqui. Aprendi, cresci, amadureci. 

Saio com a sensação de dever cumprido. Deixo perfis bem definidos e que correspondem aos meus anseios de sempre (longevidade, baixos níveis de SO2, genuinidade,...) e uma identidade que posiciona a casa como uma das referências da região.
A única frustração é mesmo o facto da Quinta da Murta não ter ainda o nível de reconhecimento e sucesso que lhe julgo devida.
Nenhum dos sucessos se deve só a mim e ao meu trabalho, nenhum dos insucessos está inteiramente livre da minha cota de responsabilidade.

Não escondo algumas motivações pessoais para a saída mas fundamentalmente, é a percepção de que já não consigo adicionar valor que me leva a tomar esta decisão. Não me sinto satisfeito em projectos estacionários ou estacionados, prefiro o buliço do crescimento, do desenvolvimento, a guerra da implementação... a adrenalina da incerteza. A luta...

Desde 2015 que os perfis dos Murta estão onde os queria. Não há muito mais que lhes queira mudar. Está na hora de dar lugar a outro que encontrará as próximas necessidades e contribuirá assim para a continuidade desta fabulosa pérola de Bucelas. Digo-o sem qualquer toque de ironia. Desejo que rapidamente esta quinta encontre o caminho que precisa e merece percorrer.

Os próximos tempos serão de organização e reflexão. O meu projecto pessoal pede cada vez mais atenção e empenho. Por outro lado, estou ansioso para fazer sair da gaveta pequenas outras ideias que, acima de tudo me trarão felicidade, realização e prazer. Aproveitarei também para pensar nalguns desafios e propostas que me têm sido feitos. Vamos ver… não tenho pressa. Foram 14 anos muito intensos. Fundi-me com esta quinta e a sua vida mais do que é aconselhável. Terei de aprender a viver sem ela.


Numa nota especial tenho de (e quero) agradecer de forma isolada a duas pessoas que sempre me deram mais do que receberam, que são a alma, o coração e o músculo desta quinta e que nunca me deixaram passar por dificuldades sozinho. Vocês foram a minha equipa, são os meus amigos e muitas vezes a minha motivação. Obrigado pela dedicação, pela lealdade, pela humildade e pela ajuda constante. Raisa e Igor Bocov, simplesmente as melhores pessoas que conheci na vida. Para vós, a minha eterna gratidão. 


A todos que me ajudaram neste caminho, muito, muito obrigado.
À Quinta da Murta um até sempre.
A Bucelas… 
...até já!

Comentários

Anónimo disse…
O mais importante é quando se sai, não bater com a porta.
O mundo é demasiado pequeno.
Desde há uns tempos que não há "empregos" para a vida.
A evolução (que até pode ser negativa) obriga a roturas e a reinvenções.
Mas é tudo bom. Até as desilusões têm o seu quê de pedagógico.

Bom trabalho e continue a fazer o que sabe com paixão.
Só assim vale a pena.

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