Diário - COVID-19 - Quarentena, dia 7


Querido diário:

E de repente a nossa vida mudou, literalmente num sopro.
Impressionante não é?

A fragilidade da nossa existência exposta por um ser microscópico que ainda não conseguimos decidir se o consideramos como vivo ou não.

Muito do que se passa hoje me remete para a literatura. Ali tudo foi já ensaiado e as semelhanças assustam-me ao mesmo tempo que elevam o repeito pelo génio de quem as pensou e escreveu. Repare-se:
Wells, na sua "Guerra dos mundos" já nos tinha mostrado que até o mais apto, evoluido e superior dos seres cai redondo quando se desvaloriza o mais insignificante dos microbios. Pepetela descreveu o vazio civilizacional de um mundo de ruas despidas de gente em "O quase fim do mundo". Saramago e Camus ensaiaram sobre os comportamentos que se podem gerar em caso extremos de situações como a que estamos a viver. 

Estas obras têm-me ajudado a exercitar a veia estoica, preparando-me para o pior cenário. E o pior, que não acredito que venha a acontecer, é a anarquia social, manifestada de forma primitiva (olhem os americanos a comprar munições à parva), feia, desumana e mortifera. 

Estes pensamentos não me deprimem, pelo contrário, tranquilizam-me na medida em que ajudam a enquandrar o que está a acontecer, permitindo-me a frieza necessária para as decisões que sou e serei chamado a tomar em prol da minha família, das pessoas que me são queridas e do meu negócio quando for o caso.
Não me interpretes mal. Não estou à espera do apocalipse, do colapso social e nem mesmo do económico, para ser franco. Acho que no fim, não sei bem como, vamos conseguir encontrar uma solução para minorar os efeitos disto.

Estou, estamos, em quarentena voluntária desde sábado, 14 de Março. Não me parece que seja altura para criticar os governantes, haverá uma hora para o fazer. É preciso estar na presença de todos os factos para avaliar as suas decisões. Enquanto Português estou orgulhoso que tenhamos sido nós a decretar  quarentena voluntária uma semana antes do governo achar necessário fazê-o. Estou certo que este foi um importante contributo e um acto de uma cidadania que estou sempre a queixar-me não existir. 
A Sara tem de trabalhar fora  e eu irei sair de casa o menos possível. Estou com os miúdos. Quero evitar que saiam também.

No domingo fui sozinho ao supermercado. Senti-me estranho ao sair de casa e mais ainda quando encontrava pessoas conhecidas.
Não tenho o tempo que esperei ter. Sozinho o dia todo com os miúdos, sinto necessidade de criar alguns procedimentos para que isto não vire uma anarquia. Criàmos um quadro de tarefas diárias, tenho conseguido correr uns km antes da Sara sair para trabalhar, faço o treino do (não no) ginásio e depois, estudamos, à tarde entrego-os por duas horas à  babysitter 
playstation para conseguir trabalhar qualquer coisa também e quando chega à noite já não posso ver almoços, jantares e deveres da escola... putos...
Nesta quase uma semana temos conseguido manter as crianças calmas e cooperantes.



Por enquanto estamos bem e com saude, temos aproveitado para fazer o que raramente conseguimos. Pintura, aulas de ciência do pai,... vamos ver o quê mais.
Estamos a fazer a nossa parte para que isto passe rápido e possamos retomar a nossa vida, mesmo que diferente daquela que deixámos.

Até amanhã

Comentários

Mãe disse…
Estamos todos no mesmo “barco”. Pobres, ricos, ateus, cristãos, bons e maus....

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