Bucelas


Este post está-me na vontade há muito tempo. As ganas de o escrever são, normalmente travadas apenas pelo facto de responder pelos vinhos de um produtor da região e de não querer, de forma alguma, associar aquilo que é a minha posição à que poderá ser a do produtor que me paga o salário.
Contudo, no passado sábado, dia 16 de Abril, fui amavelmente convidado para dar a minha opinião num pequeno fórum realizado no âmbito do encerramento das comemorações dos 100 anos da demarcação da região.
Ponderei muito se aceitaria o convite uma vez que é sabida a minha posição de "rotura" em relação ao caminho da região, bem como o mais profundo desprezo por caminhos que levam à facilidade e rotatividade fácil e inconsequente do produto. Sou frontalmente contra as políticas de exploração exaustiva e de curto prazo na gestão de recurso. Sou violentamente contra o trabalho meramente contabilístico associado à gestão de uma marca. Sou particularmente crítico a estes fatores quando se trata de Bucelas.
Impossível continuar sem citar Miguel Sousa Tavares naquela que é uma das frase que mais associo à minha perceção de Bucelas:
“È uma insuportável arrogância moral julgar a História com a vantagem do tempo” – in Sul.
Pois é. relembro muita vez isto quando reflito sobre este pequeno reduto. Tudo porque respeito o passado. Percebo que há 20 ou 30 anos, as coisas eram bastante diferentes. Reconheço o mérito histórico de certa forma de fazer vinhos. No entanto penso que o futuro da região passará inevitavelmente pela mudança na abordagem, pela revolução na atitude.
Mais uma vez caio no confronto da necessidade de mudança. Dizer a um produtor, que explora a região há mais anos do que eu tenho de vida, que urge repensar o seu portfolio e a forma como o apresenta, será com certeza um suicídio social. Mas, pensemos um pouco, faz mesmo sentido, hoje, que uma região com menos de 200 ha de vinha, reconhecida pela sua especificidade, pelo seu caracter diferenciado, tenha como core business um produto que chega ao consumidor, pelo supermercado, a valores inferiores a 4€?
Bucelas ainda continua a ser caracterizada, em qualquer descrição de vinhos brancos portugueses como uma das regiões importantes na realização deste néctar. Umas das… mas então se é a única D.O.C. em Portugal especialmente criada para vinhos brancos…. A única!
O que se passou então?
Penso que, a Bucelas chegou primeiro a tecnologia e o conhecimento exigido para brancos de qualidade. Não será portanto difícil que os vinhos tenham sido rapidamente distinguidos de entre os outros feitos sem recurso a nada disso. Contudo, à medida que as vária regiões se modernizaram, têm aparecido vinhos brancos de qualidade crescente. Realizados com o recurso a blends (fator que deixa logo a Bucelas uma limitação) e desta forma, os Bucelas novos e frutados, feitos com recurso apenas ao inox, aos poucos, foram sobressaindo cada vez menos na intensidade aromática, não porque esta diminuiu, mas porque a dos outros aumentou.
O Arinto, que nos vinhos tem de existir em pelo menos 85%, não é uma casta particularmente aromática no que toca à intensidade. Vejo-a como uma casta de complexidade, com um espectro alargado de aromas finos. Na região assume, talvez pela variedade clonal, talvez pela especificidade do solo e clima, uma maior componente aromática do que noutras regiões, mas ainda assim, inferior a outras conhecidas pela sua intensidade aromática.
Em vinhos onde utilizamos o tempo como ingrediente, esta casta demonstra possuir uma capacidade de evolução extraordinária, mantendo acidez fresca e presente, desenvolvendo mineralidade e aromas complexos. Não é, mesmo nada, raro ouvir dos nossos vinhos que se assemelham a perfumes. Estão a ver a ideia? Concordo em absoluto.
Se somamos todos estes elementos. Se lhes dermos credibilidade, facilmente concluímos que, mesmo respeitando o passado, “temos”, todos ou só alguns, de inverter caminho, repensar a região e partir para vinho onde o natural carácter diferenciador seja algo bem marcado e onde possamos valorizar cada garrafa.
Outro ponto que continua negligenciado é a questão da promoção.  Faz agora um ano que a Revista de Vinhos publicou um artigo, muito bem feito do ponto de vista informativo, sobre os 100 anos da D.O.C. "Infelizmente", não é sua responsabilidade lançar bases para a discussão, mas a vontade ficou. Vasco Avillez, presidente da CVR Lisboa que tutela agora Bucelas, diz às páginas tantas: “ temos é que promover mais”. Esta frase é enganosa, parte do princípio que já existe promoção, que existiu no passado recente e que se conhece planeamento para o futuro. 
Mas não tenhamos ilusões, nem tiremos com falsas conclusões. a responsabilidade é de todos, em especial, dos produtores.
Resumindo e baralhando, penso que a Casta Arinto, trabalhada em Bucelas permite fazer vinhos de elevada qualidade, recorrendo às variadas formas de e os apresentar (com madeira, sem madeira, espumantes, tardios,…). Carece é de uma abordagem muito mais virada para a valorização do seu caracter finito (na quantidade) e não, o que acontece hoje numa luta para apresentar produtos de consumo massificado que não têm a menor possibilidade de concorrer com outros, provenientes de destinos onde alguns produtores isolados trabalham áreas de vinha muito maiores que a totalidade da região. Continuar nesta linha é condenar a região ao fracasso e ao definhamento progressivo.
Pergunto-me todos os dias o que fariam os franceses com uma região destas….
Viva Bucelas!

Comentários

Unknown disse…
Excelente visão e concordo plenamente que ir tentar concorrer sem apostar na exclusividade do produto Bucelas é um erro grave.
Antonio Madeira disse…
Concordo com a tua visao, Bucelas deveria se dedicar a brancos valorizados.
Dificilmente poderas convencer os outros produtores a seguir esse rumo. Mas a uma menor escala, podes tentar fazê-lo onde trabalhas ou mesmo desenvolver o teu projecto pessoal seguindo essa abordagem.
Hugo Mendes disse…
Obrigado Diogo.
António, eu entendo que os produtores mais pequenos são estratégicos.
Eu tento fazê-lo há quase 7 anos. vamos ver que tipo de retorno nos trás o tempo.

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