Os incêndios, a minha estupidez e o pacto de regime.
Confesso que, a cada novo dia, me sinto mais estúpido.
Senão veja-se: não é possível que tanta gente tenha decidido parar de pensar ao mesmo tempo e se entretenha agora a repetir balelas sem parar, sem nunca refletir sobre elas. Nunca se ouviu e leu tanto “penso pela minha cabeça” e nunca se ouviu ou leu tanto “copy-paste” de opiniões e razões alheias. O mundo caminha para o tudo ou nada, certo ou errado. “Se não és fascista, só te sobra ser comunista” ou então “se não te revês no wokismo, só podes ser fascista”. O equilíbrio é isto? Em pleno século XXI… foi aqui que a sociedade chegou?
De repente, a malta que se entretinha a faltar às aulas e que se recusa a ler um livro acha que o tempo lhes deu razão. Perderam a vergonha e a noção do que não sabiam, e defendem hoje abertamente que o pensamento simples é, afinal, o que move o mundo. Que este gira baseado em princípios simples, fáceis de entender e ao alcance de qualquer um.
Lamento, mas não é. O Empirismo não é a melhor forma de olhar para o mundo e o universo não quer saber da “tua verdade”.
É como se, de repente, o jogo do Mikado fosse jogado ao contrário: ganha quem retirar a última vareta espalhando todas as outras, e não, como aprendi, retirando as que estão no caminho, mas sem que as restantes se mexam.
Talvez tenha de reaprender a jogar Mikado.
Serve isto para explicar a minha perplexidade perante esta coisa dos incêndios e dos governantes. Tenho visto muita coisa a circular por aí e confesso: não gosto de nenhuma. A imagem do Sr. General Ramalho Eanes com uma pernada de loureiro na mão a enfrentar o fogo é bonita e inspiradora? Sim, claro. É disso que precisamos? Não creio que seja de inspiração que precisamos quando temos o fogo à porta! Gostaria que os governantes de hoje mostrassem mais empatia pelas populações e pelas áreas afectadas? Por Deus (o vosso, que eu não sigo nenhum), sem dúvida! Mas não os quero a fazer de bombeiros para o jornal das 20:00. Nem lhes peço que interrompam as férias. Todos precisamos delas, e seguramente a sua presença no teatro de operações traria mais constrangimentos do que soluções.
Quero é que, no resto do ano, façam no gabinete o que têm de fazer para que isto não se repita. E, já agora, que assumam o assunto como uma falha sua e apoiem quem perdeu, de forma digna, e não apenas com dinheiro.
Não sei de fogos ou justiça tanto quanto vós que me ledes. Não sei se aumentar penas a incendiários resolve. Não sei se criar bombeiros profissionais é o caminho. Não sei se termos meios próprios em vez de andar a alugar aos outros reduz a vontade de incendiar matas. Não sei se o eucalipto é a causa ou se mais cabras evitariam as catástrofes que os cabrões parecem não estar a conseguir. Não sei mesmo. Mas gostava que os governantes ouvissem e se preocupassem menos com o que “nós” pensamos saber e ouvissem e se preocupassem mais com quem realmente sabe, criando soluções de fundo e de longo prazo para o país.
Julgo que este é um daqueles assuntos em que todos, incluindo as agendas partidárias, quererão o mesmo fim.
Será assim tão difícil criar um pacto de regime num tema como este?
Sei (ao menos isso) que não é um assunto simples e de soluções óbvias, mas acredito (ou acho?!) que ajudaria muito se conseguirem deixar de lado as “clubites” e a capitalização do voto à conta desta merda. Em matérias desta natureza, se é que ainda somos Humanos, não podem haver direitas nem esquerdas, extremas ou meios.
Somos todos inflamáveis.
(Um grande abraço de solidariedade para com quem viveu ou está a viver dentro deste inferno. Sobretudo, e perdoem-me o bairrismo, os meus colegas e amigos do vinho. Força companheiros!)
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