Vital, essa casta desconhecida


Para mim, a melhor forma de complementar o estudo de uma casta continua a ser à moda do Inspira Portugal. Juntando um numero de garrafas de vinhos da casta em estudo, tanto quanto possível, de diferentes estilos de enologia, maturação, anos de colheita e prová-las  de uma só vez, comparando, procurando semelhanças e tentado encontrar explicações para as diferenças.

Foi isso que fiz, finalmente com a Vital. Recolhi todos os vinhos que encontrei e que sei (ou me garantem) serem 100% da casta. Embora sejam apenas 7 de 6 casas diferentes, de colheitas entre 2016 e 2018 (um de 2016; quatro de 2017 e dois de 2018) julgo que foi uma prova muito enriquecedora e que me deu novas perspectivas para trabalhar.
As variáveis a que dei mais atenção foram: métodos de elaboração, graduação alcoólica e ano de colheita. Pelas razões óbvias, não tenho interesse em fazer considerações individualizadas sobre cada vinho até porque, pasmem-se, o interesse da prova não foi descobrir qual deles é o santo graal do Vital! :)

Vinhos em prova: Ramilo 2016; António 2017; Coz's 2017; Casa das Gaeiras 2017; Quinta de Pancas 2017; Quinta de Pancas 2018 e Hugo Mendes 2018.

Importa salientar que as considerações são minhas, tendo em conta as minhas noções de equilíbrio e harmonia. Apenas e só. Estou longe sequer de as considerar definitivas.

De comum encontrei uma ligeireza aromática que não consigo apelidar de neutralidade, mas apenas de pouco intensidade. O nariz tem de ir dentro do copo para se perceberem bem os aromas. São maioritariamente aromas delicados de infusão, tília por exemplo, um ou outro a mandar uma lichia... mais ou menos por aqui. Na boca parece-me uma casta que perde facilmente acidez na maturação ou na adega, deixando vinhos prontos de boca cedo, mais redondos, menos angulosos, às vezes com alguma dificuldade para fugir de uma certa sensação de doçura (que não vem dos açucares).

Nenhum dos vinhos me devolveu sensações fortes ou intensas, as tentativas de conseguir isso com madeira novas ou semi-novas fazem com que rapidamente o vinho desapareça debaixo do conjunto, banalizando o resultado se a vontade for deixar sobressair a identidade da casta.
Um factor bastante curioso, contudo, é que apesar da pouca intensidade, os vinhos apresentam persistência de sabores e aromas ao longo da garrafa*
Facilmente os enquadro na categoria: "Beberia a garrafa toda e ainda mandava abrir a 2ª!"


Conclusões:

Preferi os vinhos com graduações alcoólicas até aos 12-12,5% vol. álcool. Dão-me sinais que me fazem crer que viverão mais. Notei os demais com evoluções muito avançada para a tenra idade. O que se ganha em corpo e estrutura (que vem, neste caso, exclusivamente do álcool) acaba por comprometer a longevidade. Fica a duvida aqui, mas mentiria se não afirmasse que estou convencido que há uma relação muito óbvia entre maturação das uvas e o decréscimo da longevidade.

A casta comporta-se muito bem nos perfis mais POP contudo, perde-se um pouco debaixo das formulações que procuram uma palatibilidade mais reconhecível. Ou seja, gosta mais de se expressar sem madeiras ou com madeiras que lhe dêem um cunho mais ligeiro, fermentada em recipientes mais neutros e com leveduras que não a tentem transformar na casta aromática e gorda que não é. Julgo que a madeira lhe traz uma certa doçura que definitivamente não precisa.

Particularmente também não senti beneficio considerável nas abordagens que me remetem para macerações fermentativas (ou curtimenta se preferirem). Se por um lado é um facto que a estrutura sai beneficiada, por outro, o equilíbrio aromático desaparece ou é tomado por notas mais agressivas que condenam a sua identidade (não confundir identidade com qualidade por favor). Ainda assim, não descarto totalmente a hipótese de vir a experimentar uma ligeira curtimenta para reforçar a estrutura, mas apenas se conseguir encontrar forma de perceber qual é o limite do impacto na definição do aromo já que, como expliquei, a casta tem uma paleta de aromas delicada e a curtimenta dá muitas vezes um excesso de tons vegetais que a mim só me cheiram a borra anulando por completo qualquer aroma varietal.

Um factor a ter em atenção é mesmo a acidez. A casta tem uma paleta aromática que puxa para alguma doçura de final e que tende a aumenta no crescimento em garrafa. A manutenção de uma acidez alta é fundamental para a manter equilibrada ao longo do tempo.

É no fundo, a meu ver, uma casta simples que pede trabalho simples mas que se pode vir a revelar como uma boa aposta a solo.









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* "ao longo da garrafa" = à medida que vamos bebendo a garrafa

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