O Valor da ilusão.

Aqui há atrasado (sempre gostei desta expressão) reuniu-se um grupo de “amigos” do Facebook e fez-se a prova - cega, que aquela gente não gosta de cores nem histórias na apreciação de um vinho - a um conjunto de néctares do qual falarei mais tarde (a julgar pela minha velocidade  a publicar, bem podem esperar!). Depois de aturadas discussões sobre as vantagens da prova cega face à prova com rótulo e, mais recentemente sobre a prova com história à mistura, decidi pôr aquela gente toda em cheque e, se possível, choca-los com a conclusão (sou tooooorcido!).
Previamente, retirei da mesma caixa duas garrafas do mesmo vinho (Quinta da Murta Bucelas Arinto 2009). Saquei todos os traços de rotulagem à primeira de modo a parecer ainda em estágio e deixei ficar a outra tal como estava. Pronta para o mundo.
A segunda inseri na prova cega, só eu sabia que ela lá estava. Pontuámos normalmente (foi o melhor branco da tirada). A segunda guardei para o restaurante. Antes de se ingerir sólidos ou líquidos, pedi a atenção de todos e proferi algo perto disto:
Como sabem, fui pai em 2009” - Por sorte, o meu filho estava ali, parado como não é hábito, com ar angélico, embasbacado com a fabulosa águia do Benfica que o Solar dos Pintor tem na sala VIP. Continuei – “Na altura, com a conivência da administração, permiti-me guardar umas uvas especiais com as quais fiz, com um cuidado acrescido este vinho que agora vos apresento. É da mesma colheita do que avaliamos à pouco, só que este ainda continua, como vêm, em estágio. Achei que o vinho em questão poderia durar um pouco mais e por isso arrisquei. Queria dedicar ao meu filho algo que fosse genuinamente melhor.”
Já não me lembro exactamente se fiquei por ali, mas se disse mais foi apenas a reforçar o cuidado especial e a ligação afectiva que tinha com aquele vinho.
No fim da história (ainda não percebi se usamos estória para estes casos?!?!?) pedi que me afirmassem com honestidade o que achavam do vinho e, se ainda conseguissem, que o comparassem com o outro. Que me dissessem  se sentiam diferença e se esta era para melhor ou pior. Tirando apenas uma ressalva, tardia, de que os vinhos se encontravam a temperaturas diferentes, todos foram unânimes em afirmar que este era sobejamente melhor. Digno de um valor ou mesmo valor e meio mais numa escala de 20.
Eu, que não estava sugestionado e porque conheço bem o vinho que faço e os seus desvios, posso garantir que não havia, para além da temperatura, nada que justificasse uma diferença. O que mudou então?
Apenas a forma como aquele vinho foi provado. O factor psicológico associado. O valor da ilusão.
Se tinha poucas dúvidas sobre a importância de uma boa história, agora não tenho nenhuma!
Mas enganem-se aqueles que pensam que vale tudo. Não. Vale apenas a verdade com uns pozinhos de perlimpimpim, de embelezamento, de paixão. É um pouco como a maquilhagem nas mulheres. Não dá beleza a quem não a tem, dá-lhes apenas charme por fazer sobressair os pontos mais belos.
Bebam vinhos, mas por favor, bebam as suas histórias também. Vão ver que o prazer é muito, muito maior.

Comentários

Anónimo disse…
É um gosto ler-te!

Grande Abraço,

Sardex

P.S.- Parabéns pelo teu filho!
Unknown disse…
Eu fui um dos enganados, ou melhor sugestionado.

O vinho, no meu entender, não se resume ao líquido que está dentro da garrafa. É todo um conjunto de sensações. Sejam os amigos com os quais se partilha o momento seja a história que está associada àquela garrafa.

Neste caso, e apesar de o vinho estar mais quente que o anterior, soube melhor. Não há vergonha em admitir. E soube melhor porque tinha uma história.

Era especial, mesmo não o sendo e tendo acabado por ser.
Hugo Mendes disse…
Grande Sardinha,
è um gosto ainda maior ver-te por aqui! ; )
Obrigado (duplamente) e um forte abraço.
Hugo Mendes disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Hugo Mendes disse…
Diogo,
tocaste, quanto a mim, no ponto chave.
No final, não é o prazer que conta?
Nuno Vieira disse…
Meu caro,

Sinceramente, acho que o teu texto enfatiza a importância das provas cegas, nem que seja apenas na origem.

Se o vinho é feito por pessoas e histórias, e isso também importa no resultado final, isso devia notar-se também na prova cega. Acho que não podemos afirmar que o amor e a história por trás do vinho são importantes no resultado final, para depois dizer que esse amor e essa história só são apreciados se alguém o especificar previamente.

Claro que também gosto muito mais de beber um vinho com história, olhar para o rótulo e cheirar-lhe a rolha, do que de fazer provas cegas, mas acho que não podemos nem devemos desprezar a importância das últimas.

O poder da sugestão é grande, mas o de um bom vinho também. Quando se juntam os dois, melhor ainda :)

Last but not least, belo texto. Devias arranjar tempo para escrever mais.

Abraço,
Nuno Vieira
Hugo Mendes disse…
Grande Nuno,
Obrigado pelos comentários.
Esta discussão segue em paralelo no facebook (cria lá um perfil homem ; )).
Eu não sou extremista em nada. Há momentos em que a prova cega faz sentido, não faz, para mim, nenhum ser a prova rainha. Tem sentido para um tipo de vinhos num determinado contexto, não tem, seguramente noutros.
Faz algum sentido provares um Barca Velha, um Opus One ou um Petrus em prova cega? Achas que algum tipo de apreciação meramente sensorial lhe iguala o preço? penso que não.
Pagas 150€ por um BV; para aí uns 300 pelo OO e mais infinito por um Petrus pela ilusão, pela exclusividade pelo factor emocional.
O que quero dizer é que andamos a extremar muito a prova e a esquecer o facto humano, emocional ou sociológico da prova!
Abraço
Nuno Vieira disse…
Ehehehehehe, essa eterna questão do facebook. Ter ou não ter?

É isso, eu estou de acordo contigo, a prova cega tem o seu tempo e o seu lugar, mas se mesmo numa prova cega o Barca Velha não se destacar de uma concorrência mais modesta, é estranho, não?

Claro que numa prova cega nunca vamos avaliar um Barca Velha em 300€, porque não estamos a beber a história e o marketing do vinho, mas se não for melhor do que vinhos muito mais baratos, há que repensar o seu valor...

Abraço,
Nuno Vieira
Ema Martins disse…
Gostei muito desta estória. :-D
Parabéns!

Ema
Hugo Mendes disse…
Obrigado Ema!

Nuno,

Sinseramente penso que nós, os Portugueses, vivemos numa de procurar regras, criar e ter caixinhas para arrumar tudo. depois somos precisamente os que menos cumprimos. acho, muito honestamente que o trabalho em torno do Barca Velha ou do Opus One sejam muito sério e competente. não há, nem nunca haverá algum dos dois que se confunda com um vinho de 2 €. contudo, não há vinho nenhum, que, apenas pelo valor do vinho, valha 50€. Avaliar um vinho com base, meramente, no valor do liquido é muito parecida a valiares uma pintura pelo valor das telas, tintas e pinceis. uma escultura pelo custo da pedra e dos cinzeis ou uma fotografia pelo valor do equipamento e impressão.
não se pode generalizar esta minha apreciação a todos os vinhos, é claro. mas da mesma forma, também não se pode dize que a prova cega é a unica maneira de verdadeiramente avaliar um outro.
esse é o "my point"!
Hugo Mendes disse…
e que mal escrito está, mas a ideia percebe-se, não?
Desculpem, é a pressa!
Nuno Vieira disse…
Compreendi-te perfeitamente, e concordo!

Ontem estive numa prova cega de vinhos do Álvaro de Castro e posso dizer-te que, apesar de já ter provado os 6 vinhos em prova, consegui não acertar em nenhum deles. Para que é que isto serve? Acima de tudo para eu aprender e não tanto para avaliar os vinhos. Em boa verdade, a prova diz mais sobre mim, do que sobre os vinhos provados.

Mensagens populares