Espumante pelo Método Clássico – Passo 2: Elaboração do vinho base



Passo 2: Elaboração do vinho base

Resumo:
Um vinho destinado a fazer espumante, para além de requerer parâmetros físico-químicos diferentes dos demais (Cf. Passo 1), requer especiais cuidados que devem ser tidos em conta na hora de processar as uvas. A apanha deve ser manual, a prensagem  feita às uvas inteiras e com engaço. O mosto deve ser separado segundo critérios específicos. Apenas pretendemos o que nos provém da polpa. 
A fermentação deve ocorrer a temperaturas controladas, a fim de encontrar a relação óptima entre a obtenção de aromas e a de produção de levedura (biomassa), com vista a obter os vinhos pretendidos.
Depois da fermentação e até que se inicie o processo de preparação para a tiragem (passo 3), as cubas devem ser guardadas atestadas e deve intervir-se o menos possível.

Desenvolvimento:
Depois das uvas escolhidas, podemos começar a pensar na elaboração do vinho base. Esta fase, é a que tenho mais dificuldades em descrever, pois os processos variam de produtor para produtor, de enólogo para enólogo ou de colheita para colheita. É uma das boas coisas da enologia, o facto de não existir uma formula única para chegar ao "mesmo" resultado.
Em todo o caso, há um passo que é critico. A prensagem. Recomenda-se que seja feita tão depressa quanto possível,  sem que haja qualquer intervenção prévia nas uvas. Basicamente será assim: Uvas apanhadas à mão e metidas dentro da prensa com engaço e tudo. Este, facilita a drenagem, o que faz com que todo o líquido extraído tenha menor contacto com as películas  evitando a extracção de compostos que noutro tipo de vinhos são benéficos, mas não nos espumantes. Para além disso há uma optimização da prensagem em si (tem a ver com os tempos e com o rendimento de cada patamar de pressão. Podemos discutir isto se quiserem!).
Qual é então a vantagem de apanhar as uvas à mão? 
Para além de ser a única maneira de ter engaço, permite, com uma equipa bem oleada (preferencialmente de mulheres. Um dia destes explico porquê!), escolher ainda um pouco mais as uvas no campo. Dá, logo na vinha, para rejeitar uvas menos sãs, uvas com maturação fora do pretendido… Enfim, já perceberam a "coisa". Tudo isto é uma preciosa ajuda para quem não tem tapete de escolha, mas também para quem tem, pois facilitando o processo, aliviamos a tenção que representa esta ultima barreira.
Muito bem, retomemos! 
Não há contacto pelicular, as uvas são imediatamente esmagadas com engaço. O mosto resultante passa para uma cuba de refrigeração onde se fará a clarificação.
Nem todo o mosto deve ser usado na realização deste vinho. Há partes que convém serem retiradas, principalmente no principio e no fim da prensagem. As do principio porque são muito ricas em lípidos que dificultam a acção da espuma e as ultimas porque contêm outras moléculas que não queremos no vinho. Só queremos mesmo o néctar puro da polpa, rico em açucares e ácidos. 


Figura 2 - Esquema representativo do comportamento das uvas na prensa. Com engaço, formam-se canais de drenagem que facilitam o escoamento do mosto. Sem engaço o mosto demora mais tempo a escoar a partir do topo.

Dependendo do gosto, da filosofia empregue ou da capacidade tecnológica da adega, a clarificação faz-se em maior ou menor escala. No fundo, consiste na separação das matérias mais pesadas, recorrendo à combinação frio + tempo, adjuvadas por outros aditivos como enzimas e colas, que facilitam o processo ou ajudam a remover constituintes prejudiciais à formação de espuma (a nossa maior preocupação).
O mosto limpo é depois separado do restante (que fermentará à parte), por um processo de  decantação (que não cabe aqui, mas explicarei noutra altura.), e estará agora pronto para a fermentação.
A adição de leveduras seleccionadas é também uma opção que se tem, tendo em conta as variáveis descritas acima. Presentemente, na adega onde estou a tempo  inteiro, uso as leveduras nativas, com belíssimos resultados (não só neste vinho, mas em todos os brancos). Contudo, entendo que deveremos ter o máximo de condições para isto, não esquecendo equipamento, capacidade higiénica, conhecimento do comportamento da casta (no nosso caso foram 6 anos a estuda-la antes de avançar para esta realidade) e presença "constante". Também os perfiz dos vinhos estão dependentes, quanto a mim, da escolha de levedura.
A temperatura de fermentação é outro factor que está relacionado com o vinho pretendido. Para vinhos a consumir novos, em que os aromas primários sejam mais importantes, prefiro baixas temperaturas (12-14ºC) e recorro mais facilmente a leveduras seleccionadas para garantir segurança em todo o processo. No caso de um vinho que se destina a estágios maiores, já admito temperaturas mais altas (16-18ºC). Mas prefiro recipientes de menor volume onde a temperatura se possa dissipar mais facilmente. Gosto particularmente de usar barricas de carvalho francês muito velhas (225l) numa sala com temperatura controlada, ou bem arejada.
Obviamente que uma fermentação a temperatura mais baixa demorará mais tempo (entre 2 a 3 semanas) que outra a temperatura mais alta (aproximadamente 1 semana).
Finda a fermentação, há que preparar o vinho para o inverno. Um pouco de SO2 para proteger (à volta dos 20 mg/L no SO2 ivre), cuba atestada e nada de mexer no vinho. Ao contrário dos demais brancos, em que gosto de misturar a borra fina (a que resulta da deposição das leveduras mortas depois da fermentação acabar) de quando em vez para lhes dar mais cremosidade e arredondar a acidez (quando ela chega para isso!), nas base espumante quero que as mexidas sejam as menos possível. Porquê? Simples, a ressuspensão das borras finas é, no fundo, igual à batonage que fazemos nas barricas, ao fazermos isso forçamos as leveduras mortas à decomposição celular mais rápida, impregnando o meio de manoproteina, glicerol e aminoácidos que nos trarão mais estrutura, mais cremosidade e mais complexidade aromática. Acima de tudo dá-nos “peso”. Tudo o que não queremos num vinho espumante, certo?
E pronto, rezamos muito para que o Inverno traga frio e seja amigo do nosso vinho. Normalmente não gosto de lhes voltar a tocar até ao virar do ano, altura em que começo a pensar na tiragem e a fazer as operações preparatórias para a tiragem.

Figura 3 - Diagrama de fluxo das operações unitárias mais relevantes da fase 2.


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